3 de julho de 2007

Auto-ajuda acadêmica

Eu passei a noite inteira lendo o livro O Lazer no Planejamento Urbano, da Ethel Bauzer Medeiros, sobre a importância do lazer na vida das pessoas. Aluguei porque gosto dos dois temas do título, mas o livro é tão abrangente e tão bem escrito, que se tornou quase um livro de auto-ajuda para mim. Apesar de ter sido editado em 1971, revela traços da modernidade já em crise, e faz muitas reflexões nesse tema, que continua presente na sociedade (na falta de uma idéia melhor), então o livro continua quase atual. Ela basicamente fala que o lazer se tornou mais importante no capitalismo monopolista porque o trabalho se tornou serial, apressado, mecânico, e padronizado, isto é, não respeita a capacidade de criação e as habilidades inerentes aos homens:

“Com freqüência o trabalho [não mais a vocação, mas um emprego, uma vaga a preencher na engrenagem] é visto como simples meio de assegurar um salário, sendo o principal respeitar o apito da fábrica ou o relógio de ponto [ou os dois] e obedecer as rotinas preestabelecidas. De antigo instrumento básico de auto-afirmação, o trabalho desceu a um segundo plano, cedendo ao lazer a primazia. O homem trabalha agora para poder gozar as horas livres, nelas se realizando”.

Mas depois de tanta luta para conseguir tempo livre, o homem vive a crise de não saber o que fazer com elas:

“Embora viva a sonhar com as alegrias do lazer, parece aturdido quando finalmente se vê livre para o usufruir. É que na vida moderna não mais encontra o antigo ritmo de trabalho diário, entrecortado pelas festas e folguedos típicos de cada estação. Mesmo aquelas tradições populares que ainda subsistem, transformam-se para resistir à extinção. (...) Nos tempos atuais, as grandes festas dissolveram-se no dia-a-dia, perdendo portanto o seu caráter de libertação explosiva, aquela saudável ação catártica. Além disto, modificaram-se intimamente, pois muitos festejos religiosos (como o Natal de a Páscoa) perderam quase toda esta conotação, adquirindo acentuado sabor profano, de divertimento coletivo de rua ou de troca de presentes. Surgiram também as festas artificiais, como vários dias simbólicos (da mãe, da criança, do mestre, etc.) muito presos à propaganda comercial”.
...
“Defrontados por mais tempo livre, que não sabem como usufruir, muitos indivíduos só se lembram de tentar escapar. Em lugar de vê-lo como oportunidade de reduzir tensões e desfrutar momentos de alegria, enxergam-no, paradoxalmente, como uma nova fonte de inquietude e desassossego. Uns só conseguem enfrentar a situação matando o tempo (expressão tanto mais significativa quanto encontrada em diversas línguas –tuer les temps, to kill time, amazzare il tempo, zeit totschlagen...)”.
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A fuga também pode se dar fora, quando o indivíduo se distrai em lugares barulhentos e com iluminação gritante, como as discotecas; outros se iludem com sonhos, recorrendo mesmo a drogas e álcool, "de qualquer forma são manipulados por vendedores de ilusão, que vivem disto". (...) “Porém, a volta à inevitável rotina vai com o tempo tornando-se cada vez mais custosa, pois o vácuo se amplia e parece esmagar o indivíduo. Para tais pessoas o lazer transformou-se num intervalo angustiante em que é preciso livrar-se da realidade, tal como sucede aos animais que hibernam, para escapar a longo e penoso inverno”.

O livro, às vezes, é ácido:
“Há também aqueles que sentem compulsão para o trabalho e experimentam sentimentos de culpa ao se verem desocupados. Já criaram a neurose do domingo, ou seja, o medo aflitivo do feriado, no qual não podem apelar para a rotina salvadora do escritório”.
Aí também entra a questão dos nossos valores. Trabalhar é visto como uma coisa nobre, que traz dignidade ao homem. E o lazer é uma recompensa àquele que trabalhar duro, ou estudar duro, como vemos com Weber, no clássico A ética protestante e o espírito capitalista.

Mas enfim, muitas pessoas se perdem bem aí, no tempo livre. Por isso a inveja do gato, que sabe muito bem aproveitar todo o seu tempo livre, dormindo, se exibindo, se lambendo ou brincando. E por isso talvez que tudo o que é verde, grama, praça, parque, árvore, me fascina, especialmente se está dentro da cidade. E eu vivo em eterno conflito nessa cidade cinza com tão poucos espaços abertos, livres, públicos. Já percebi que eu me concentro bem mais quando leio perto de algum lugar que tenha um pouco de natureza. Mas morando no nono andar de um apartamento sem sacada isso não é muito acessível. Portanto, acho que serei mais satisfeita quando tiver dinheiro suficiente para morar em uma casa, com quintal, jardim, onde eu possa enfiar algumas plantas e um labrador amarelo, e um gato, e onde eu possa passar todas as enfadonhas tardes de domingo que me sobrarem.
Ah, e por hora, este blog serve muito bem como lazer :)

4 Comments:

At 3:57 PM, Anonymous Anônimo said...

Leia Domenico Di Masi...

 
At 7:02 PM, Blogger Fernanda Tsuji said...

sei bem...sufocadíssima.

 
At 2:20 AM, Blogger euvoltologo said...

eu li algum texto sobre isso também, mas não me lembro o autor, mas acho que foi pra história da arte ou do design, algo do tipo... e também relacionava com o pós modernismo.

a vida de gato não é nada mal. tanto que esses dias que passei com a lolita fiquei quase hipnotizada. pena não poder virar uma... o dever me chama. argh.

 
At 2:23 AM, Blogger euvoltologo said...

acabei de voltar a ler o post e lembrei e, na verdade, eu nem cheguei a ler porque não deu tempo... era aula de história das técnicas. tudo tinha começado lá com as exposições universais e depois foi caminhando pra época em que as pessoas tinham dinheiro pra gastar e eles tinham que inventar um jeito... e daí que vieram parques de diversão, cinemas, coisas que entretinham o povo e faziam eles necessitar trabalhar cada vez mais para que pudessem continuar consumindo entretenimento... bom, é isso o que a gente faz atualmente né. trabalhar pra ter dinheiro e poder se divertir. que triste fim.

 

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