11 de novembro de 2016

Sobre pequenas realizações

É verdade que pensamos nas coisas que amávamos na adolescência e uma boa parte delas hoje em dia nos trazem um pouco de vergonha. Nossos ídolos musicais, sobretudo. E são exatamente essas coisas que ficam gravadas para sempre na memória, associadas às primeiras experiências como “adultos”, tão carregadas daqueles sentimentos puros e recém-descobertos que desejamos conhecer empiricamente na real vida adulta.
Em 1999 (16 anos) eu adorava o clipe da música O Mundo, do Capital Inicial (Tchuuuruchu... tchuuuruchuuuru....), só porque tinha uns adolescentes com vidas conflituosas, mas que pareciam encontrar alento em um passeio de bike embaixo de uma chuva de verão. Daquelas chuvas que caem num dia quente e lava as ruas e as nossas almas. 
Do alto do nono andar de um prédio de um bairro densificado, sem bike, e num momento onde andar de bike em São Paulo era um pedido para ser atropelada, eu assistia o clipe todos os dias (no Top 10 da MTV) e desejava estar naquela cena de chuva do clip.
Passa rápido o filme para 16 anos depois.
São Paulo, 11 de novembro de 2016. 
Dia quente e abafado. São 16 horas e fazem 32 graus. 
Dia de semana, dia de trabalho, dia de viver no piloto automático da rotina. É sexta-feira, dia de voltar para casa o mais rápido possível e desmaiar no sofá.
Estou em cima da minha bike azul com cestinha de vime falso, voltando do trabalho para casa pelas novas ciclovias da cidade. Olho para o céu e vejo uma capa cinza. Penso: chuvaaaa! Ainda faltam 3 quilômetros com subida e emoção. Acho que vou me ferrar. Parte de mim tem preguiça e pensa em se abrigar embaixo de um toldo. Mas uma outra parte se lembra daquele clipe de 1999-2000 e começa a ficar empolgada. A chuva começa a cair, primeiro em gotas largas e barulhentas, depois afina e se multiplica. Sinto um misto de preguiça de me molhar e alívio de sentir um refresco do calor. A parte empolgada de mim domina a parte preguiçosa, e eu entro em uma outra dimensão. Uma onde não se tem mais pressa de chegar em casa, um estado de plenitude parecido com o que se atinge ao praticar yoga, causado estritamente pela chuva e as lembranças mais puras da adolescência. Por um momento, sinto que realizei mais um desejo profundo da minha adolescência.
A chuva na bicicleta molha mais do que embaixo do guarda-chuva, e molha o corpo por inteiro. E nada como sair do conforto e pegar uma chuva com vontade de se molhar.